#rolounarede: patologização, medicalização, psiquiatrização…
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DIAGNÓSTICO, PARA QUÊ?!
Esta semana, a seguinte mensagem chegou na rede: “Sou psicóloga de um serviço de acolhimento institucional mantido pela prefeitura de Manaus-Am. Temos recebido neste serviço muitos casos de suspeita ou diagnóstico de Transtorno de Conduta. Gostaria de saber se alguém do grupo tem algum artigo científico ou livro para indicar no caso de tratamento de crianças com esse tipo de transtorno”.
Carina enviou indicações de site e artigos sobre o tema (todo o material enviado está ao final deste texto), mas também aconselhou Gerusa a respeito de conhecer a criança ou o adolescente para além do diagnóstico, como forma de entender a serviço de que este diagnóstico apareceu: “Eles criticavam demais? Batiam demais? Evadiam do abrigo? Há, em muitos casos, uma tendência à psiquiatrização e à medicalização. Podemos pensar: qual conduta é essa esperada que eles não corresponderam?”.
Lilian, que trabalha em um acolhimento em Barueri-SP, compartilhou sua experiência com uma menina de 12 anos que também tem este diagnóstico. Ela contou que a equipe já passou muitos momentos difíceis no manejo deste caso; após 54 das de internação, ela segue em tratamento no CAPSi (Centro de Atendimento Psicossocial Infantil), fazendo psicoterapia e tomando 4 medicações. Ela também enviou alguns materiais, e lamentou: “mas o fato é que a rede não tem preparo para manejar esses casos, acha que tudo vai se resolver com a medicalização. Tenho aprendido muito com esta adolescente e pude apurar que o transtorno de conduta dela foi uma resposta a uma violência de agressões, maus tratos e vínculos rompidos!”.
Outras indicações de leitura foram enviadas por Milton, que também alertou Gerusa sobre os riscos de diagnósticos fechados: “não sei se é o caso, mas muitas vezes servem apenas como rótulos para comportamentos que desviam dos esperados”. Rossane colaborou com a mesma visão, dizendo que “na ânsia de encontrarmos o “diagnóstico” para determinados comportamentos, produzimos mais malefícios do que imaginamos”. Ela ressaltou a importância de conhecermos a história da criança e do adolescente como um todo, pois algumas atitudes só são compreendidas a partir desta perspectiva – entendendo as experiências (de violência, desamor, descasos e humilhações) que ela viveu. Rossane também comentou sobre a insuficiência dos serviços e a postura dos profissionais frente a isso: “isso não pode se tornar um impeditivo em nosso trabalho, e sim, mais um motivo para nos superarmos e buscarmos maior qualidade em tudo que diz respeito aos serviços oferecidos aos acolhidos”.
Gerusa, que havia iniciado toda a discussão, agradeceu a todos pela troca de experiência, concordando que é necessário cuidado e atenção no que refere à patologização dos acolhidos. Ela contou sobre o caso de uma menina acolhida que também toma 4 medicações psiquiátricas, e disse compartilhar das dificuldades de encontrar os serviços apropriados para a demanda numa rede de assistência frágil.
Parecia que a discussão havia parado por aí, mas Katia, assistente social, levantou uma dúvida quanto ao termo “patologização” dos acolhidos, que nunca tinha ouvido. Todos se mobilizaram para explicar a ela:
– Patologização seria transformar em doenças (patologias) sintomas/condições que podem ser interpretadas de outra forma. Transformar em doença desresponsabiliza as pessoas ao redor do indivíduo e não se faz a escuta adequada das circunstâncias, reduzindo o fenômeno e a pessoa (por Renata).
– Por exemplo, em vez de entender a criança, seu histórico de vida, suas necessidades, o lugar em que vive, as condições em que o sintoma aparece, reduz a criança a um nome “transtorno de conduta” (por Renata).
– Atribuir adoecimento a crianças e adolescentes que apresentam comportamento que pode ser de transtorno de conduta ou não (por Gerusa).
– Nem sempre uma suposta conduta anti-social indica que é um caso de transtorno. A criança pode estar tentando se defender de um ambiente ao qual não está acostumada (por Gerusa).
– Em vez de tentarmos entender o comportamento dos acolhidos através de seu histórico de vida, parece mais fácil achar um diagnóstico psiquiátrico para justificá-los (patologização) e com isto, o uso de medicamentos (por Rossane).
Finalizando, Lilian se mostrou tocada após a leitura do texto Como se fabricam crianças loucas: “me mobilizou pra reunir forças e não desistir da adolescente nem permitir que se fabrique outra criança louca. Dá muuuuito trabalho, é cansativo, mas a coisa mais ética a se fazer nesse momento é ampliar os olhares para com a usuária aqui do meu trabalho. O texto veio no momento em que eu estava buscando respostas. Essa rede tem mais forças do que imaginamos!”
MATERIAIS TROCADOS NESTA DISCUSSÃO:
– Site do Fórum sobre medicalização da educação e da sociedade: http://medicalizacao.org.br/
– Entre efeitos e produções: ECA, abrigos e subjetividades
– Como se fabricam crianças loucas
– Livros indicados:
Psicologia de la conducta- José Bleger- Editora Paidos- Buenos Aires
Privação e Delinquência- D.W.Winnicott- Martins Fontes