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#RolouNaRede: Ocorrência de pequenos furtos por crianças e adolescentes em acolhimento. Como proceder?


No mês de junho, uma troca de e-mails entre os integrantes da rede teve como tema central a ocorrência de pequenos furtos cometidos por uma adolescente em acolhimento.

Denise Carcovichi foi quem iniciou a conversa pedindo que outros integrantes do Acolhimento em Rede sugerissem possíveis intervenções com uma adolescente de 14 anos que vinha cometendo pequenos furtos dentro e fora da instituição.

“A família da adolescente relata vários episódios acontecidos em casa, e após sua recém chegada na instituição (40 dias), várias coisas, inclusive celulares das educadoras sumiram. E quando usamos a estratégia de reunirmos os acolhidos para procurarem, essa adolescente “sempre encontra o objeto que sumiu”. Hoje ela aproveitou da distração de uma professora na escola, pegou seu celular e roubou 20 reais que estava guardado dentro da capinha. Outro adolescente viu e contou a professora. Quando foram questioná-la ela chorou, disse estar arrependida mas entregou somente 10 reais necessitando de nova intervenção para que entregasse o restante do dinheiro”, relatou Denise.

Katia Pavan comentou em seguida: “Também sou educadora e tínhamos um problema parecido com um adolescente da mesma idade. Fizemos boletim de ocorrência, quando ela recebeu a intimação, ficou assustado e parou. Infelizmente às vezes temos que tomar atitudes extremas pra fazê-los entender que cada ato tem uma consequência. Nesse caso, terá que responder judicialmente”.

Maria Lucia Gulassa fez uma série de sugestões para pensar nas possibilidades do que fazer com a adolescente:
“1. Conhecer a história deste menino, até em função do PIA – Plano Individual de Atendimento – vai nos ajudar a conhecer melhor cada criança e entender quem é ele, como está se sentindo, qual sua história anterior, será que isto já acontecia antes, como está se sentindo no acolhimento, na escola, se tem amigos, com quem gosta de brincar, conversar, que atividades, do que gosta de fazer, etc.

2. Alguém (você ou alguém que trabalhe com ela com mais proximidade) pergunte sobre o fato do furto, o que sente quando faz isto. Em geral, é um sentimento de quem está sendo roubado, prejudicado, e é uma resposta a um sentimento de estar sendo lesado e ela tenta, com isso, aliviar a dor ou ser recompensada por uma injustiça ou maus tratos.

3. Procurar acompanhamento terapêutico para ela. Você pode procurar um estagiário que trabalhe com ela há algum um bom tempo. A escola de AT ajuda a buscar um caminho e fazer uma programação para ajudá-la a pensar na própria vida, que atividades ela pode fazer que dessem sentido para a própria vida, como ela se sente na escola. Ou ainda atividades de esporte como futebol, natação e outras.”

Claudia Vidigal, respondendo às intervenções anteriores, perguntou se seria possível dar um “susto” na jovem, demonstrando que todos sabem o que está acontecendo, mas antes de recorrer à judicialização do caso.

“Como faríamos se fosse um membro da família, um filho ou afilhado querido nessa situação?
Acho que essa pergunta pode ser uma boa norteadora para a conduta. O diálogo e as possibilidades de intervenções educacionais, até o limite, antes de qualquer intervenção judicial, são fundamentais. Demonstram o compromisso com o desenvolvimento integral de meninas e meninos, inclusive com a construção de uma conduta ética”, disse Claudia

Para ela, a menina precisa saber das consequências, que devem ser explicadas por um adulto, uma figura de referência para ela, antes de qualquer punição. É necessário ajudá-la a repensar suas escolhas e seu lugar no mundo.

“Ela precisa ser escutada, crucial entender o sentido desse sintoma, o que ela está nos dizendo, o que falta. Transformar o sintoma em palavra, em elaboração. O encaminhamento para terapia seria importante, isso foi feito? Tudo complexo, mas possível”, concluiu.

Katia Pavan escreveu, respondendo à colocação de Claudia, que no caso relatado anteriormente por ela, o menino já estava recebendo assistência psicológica e acompanhamento. Ela conta que, mesmo assim, por já estar acolhido há algum tempo, morando junto da irmã também adolescente, ele não parava de cometer os furtos.

Katia afirma que mesmo com todas as intervenções possíveis disponíveis no serviço de acolhimento, a decisão pelo boletim de ocorrência foi pensada com toda equipe, que entendeu que seria a melhor forma de responsabilizá-lo para que ele entendesse que, se não parasse, no futuro as consequências seriam piores.

“Após esse susto ,que ele não esperava, parou com os furtos. Quando lemos o Plano Individual de Atendimento (PIA) dessas crianças ou adolescentes, entramos em contato com sua história, nos sensibilizamos, mas não podemos olhar com pena e deixar que cometam erros se escondendo atrás dos sofrimentos. Porque muitas vezes é isso que acontece nos abrigos. A equipe técnica deixa a desejar, eles precisam ser responsabilizados por seus atos. A maioria dos acolhidos quando sai do nosso abrigo não tem pra onde ir e acaba voltando pra família de origem ou ficam na rua. Em uma palestra na Universidade de São Paulo, aprendi que os sentimentos dessas crianças e adolescentes são confusos e confundem amor, carinho com falta de limites. Se você responde somente com diálogo a uma falta deles, como o furto por exemplo, sem a consequência, será que não estará abrindo brechas pra a marginalidade?”, questionou Katia.

Eufrásia Maria Souza das Virgens diz acreditar que, nesse caso, o melhor seria acompanhamento e atendimento psicológico, não considerar qualquer conduta no sentido da apuração do ato infracional, que, segundo ela, poderá gerar mais problemas do que soluções. “Acredito que a rede de proteção poderá ser o caminho para o melhor encaminhamento da situação, através de uma reflexão sem caráter punitivo”, defendeu.

Tabita Moreira iniciou sua intervenção dizendo que foi importante Denise ter trazido essa discussão para o grupo. Ela diz concordar com as colegas de que é preciso pensar alternativas para refletir com a adolescente sobre os atos cometidos e também ir atrás dos significados daquilo. Para ela, a responsabilização é fundamental, mas precisa-se ser através da ótica restaurativa. Tabita diz que também se auto questiona de como é a relação dos adolescentes do acolhimento com o dinheiro e bens como o celular porque, na visão dela, os demais adolescentes provavelmente têm dinheiro e celular e isso acaba diferenciando as pessoas do seu redor.

“Sobre o boletim de ocorrência, eu fico muito preocupada. Temos acompanhando experiências neste sentido e a maioria acaba tendo o efeito contrário. Os adolescentes se envolveram em outros atos infracionais e chegaram até à internação no socioeducativo”, concluiu Tabita.

As discussões realizadas trazem à tona reflexões sobre os limites e também a importância de construção de estratégias que promovam expressão, acolhimento, e reparação das situações desafiadores ocorridas na relação com as crianças e adolescentes nos Serviços, garantindo a possibilidade de trabalho para autonomia e garantia de direitos.

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